Prof. Dr. Marcos Lázaro da Silva Guerreiro
Prof. Dr. Artur Gomes Dias Lima
Profa. Dra. Lidia Cristina Villela Ribeiro
Passados mais de 100 anos da sua descoberta, a doença de Chagas ainda é considerada a doença parasitária mais importante na América Latina, tendo um grande impacto pessoal, social e econômico. No Brasil, essa doença é um problema de saúde pública e, embora recentemente tenha apresentado um novo cenário com a ocorrência de casos e surtos por transmissão via oral, a sua principal forma de transmissão ainda é a vetorial, através das fezes dos triatomíneos. A doença de Chagas (DC), conhecida também como Tripanossomíase Americana e popularmente como doença do barbeiro, é uma doença parasitária tropical negligenciada que apesar de ter sido descoberta desde 1909, pelo médico sanitarista Carlos Chagas, é um grave problema de saúde pública ainda nos dias atuais. A doença atinge estados do Brasil principalmente na Região Norte e Nordeste e países da América Latina, afetando milhões de pessoas e levando anualmente a cerca de 21 mil óbitos.
AGENTE ETIOLÓGICO – Formas evolutivas
Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, é um parasito com ciclo de desenvolvimento heteroxênico complexo, que se alterna entre um hospedeiro vertebrado mamífero e um inseto vetor da Ordem Hemíptera, família Reduviidae e popularmente conhecido como barbeiro, no Brasil. Durante seu repasto habitual, os triatomíneos se infectam ao sugarem um hospedeiro vertebrado, ingerindo formas tripomastigotas sanguícolas, iniciando-se uma nova fase de desenvolvimento intrínseco à espécie. Esse ciclo evolutivo dá-se na porção anterior do intestino médio do hemíptero, onde as formas tripomastigotas sanguícolas transformam-se em epimastigotas. As formas epimastigotas, ao chegarem à porção posterior do intestino médio do inseto, se instalam e mantêm a infecção durante toda a vida do inseto, restabelecendo a capacidade reprodutiva do parasito, através de uma multiplicação ativa por divisão binária. Essas formas sofrem uma metamorfose retomando à forma tripomastigota metacíclica, com capacidade infectante ao vertebrado, incluindo os seres humanos.
FORMAS EVOLUTIVAS DO T. CRUZI- Morfologia
PRINCIPAIS RESERVATÓRIOS DO T. CRUZI
INSETO VETOR
Os vetores são triatomíneos, insetos hematófagos da Ordem Hemíptera e da família Reduviidea, com uma grade diversidade de espécimes e ampla distribuição geográfica. São popularmente conhecidos como barbeiros, bicudos, bicho chupança e furão. Adulto: o corpo dividido em três regiões: cabeça, tórax e abdômen. Na cabeça, estão localizados: o aparelho bucal, olhos compostos e antenas.
ESTÁDIOS DE EVOLUÇÃO DOS TRIATOMÍNEOS
Os triatomíneos esses apresentam apresenta três fases distintas: ovo, ninfa e adulto.
Ovo: Os ovos levam cerca de duas a três semanas para eclodir e são depositados, diretamente, no ambiente (palmeiras, troncos de arvores, cavernas e etc).
Ninfa:Estádio do ciclo evolutivo que deverá se alimentar de sangue para sofrer a primeira muda, o que levará ao segundo estádio e assim, sucessivamente, até chegarem ao quinto estádio ninfal. A última muda originará o adulto (macho ou fêmea). Duas coisas diferenciam a ninfa do inseto adulto, o dimorfismo sexual e a presença de asas.
Adulto: o corpo dividido em três regiões: cabeça, tórax e abdômen. Na cabeça, estão localizados: o aparelho bucal, olhos compostos e antenas.
ESTÁDIOS DE EVOLUÇÃO DOS TRIATOMÍNEOS
INSETO VETOR – Espécies de importância médica no Brasil
CICLO DE VIDA E TRANSMISSÃO VETORIAL DO T. CRUZI
FORMAS DE TRANSMISSÃO
As principais formas de transmissão são:
Vetorial:penetração do parasito proveniente das fezes de triatomíneos após a picada do inseto.
Oral:pela ingestão de alimentos contaminados com triatomíneos infectados.
Vertical: pela passagem de parasitos de mulheres infectadas com T. cruzi para o feto durante a gravidez ou parto.
Transfusional: dá-se pela transfusão com sangue contendo formas do parasito. Atualmente devido o controle dos hemocentros tornou-se rara.
Acidental: pelo contato dos líquidos de continuidade presente nas mucosas com material contaminado durante manipulação em laboratório.
PROFILAXIA
A principal forma de prevenção ainda nos dias atuais é o controle vetorial como: barreiras físicas nos domicílios para evitar entrada acidental do inseto (uso de telas nas casas e repelentes). Entretanto, com o crescente contágio via oral deve-se consumir somente alimentos pasteurizados em áreas endêmicas . A melhoria habitacional, ações de vigilância sanitária , educação em saúde e testes para a detecção da doença em bancos de sangue também tem fundamental importância.
FASES DA DOENÇA
Clinicamente a doença de Chagas se apresenta em três formas evolutivas: aguda, crônica e indeterminada. Em relação às manifestações clínicas podemos classificar em: cardíaca (CARD), digestiva (DIG) ou cardiodigestiva (CDG) e indeterminada (IND). Essas manifestações cursam ou não, com a hipertrofia patológica de órgãos como coração (Cardiomegalia) e aparelho gastrointestinal (megaesôfago e megacolon).
Fase aguda: dá-se pela intensa multiplicação do parasito, tendo como consequência o surgimento dos primeiros sinais inflamatórios. Com relação ao quadro clínico da doença na fase aguda, o indivíduo pode manifestar sinais característicos variáveis febre, dor de cabeça, mal estar. Um sinal característico dessa fase é o sinal de Romaña, que é caracterizado pelo desenvolvimento de edema bipalpebral, unilateral, elástico, indolor e de coloração róseo-violácea, acometendo na grande maioria das vezes apenas um dos lados da face, bem como o chagoma de inoculação (manifestação no local da penetração do parasito).
Fase Crônica Sintomática: Apresenta-se de três formas: cardíaca, digestiva e mista. Nesta fase, predominam os infiltrados necrótico-inflamatórios que são responsáveis pela geração das formas prevalentes de esofagopatia (megaesôfago), colopatias (megacolon) e a cardiopatia crônica chagásica (CCC) predominante e com risco de morte após a terceira a quarta década pós-infecção. As principais complicações desta fase são: a cardiomegalia, insuficiência cardíaca congestiva, fenômenos tromboembólicos, destruição do sistema de condução e as arritmias.
Fase Crônica Assintomática ou Indeterminada: inicia-se após a fase aguda, com os indivíduos que evoluem para um longo período assintomático que varia de 10 a aproximadamente 30 anos). Chama-se indeterminada pela ausência quase completa de sintomatologia e sinais (coração, esôfago e cólon sem alterações detectáveis pelos exames radiológicos), só sendo diagnosticada através de sorologia específica, pois os títulos de anticorpos cursam detectáveis durante toda a infecção. Em relação aos outros exames convencionais, esses não apresentam anormalidades. Em relação ao estado histopatológico, os orgãos alvos, apresentam discretas lesões, mas com processo de desnervação contínua. Um fenômeno de importância clínica frequente nesses indivíduos é a morte súbita.
DIAGNÓSTICO
Os critérios de diagnóstico se diferenciam de acordo as fases aguda e crônica.
Clínico: são associados aos sintomas e sinais de porta de entrada (Chagoma de inoculação e/ou sinal de Romana), aumento do baço e do fígado, linfadenite, miocardite e hepatoesplenomegalia, taquicardia e edema generalizado na fase aguda; já na fase crônica, as alterações cardíacas e digestivas (insuficiência confirmada pelo eletrocardiograma, a cardiomegalia e o megacólon e megaesôfago) são os principais critérios para o diagnóstico.
Laboratorial:
Fase aguda: presença do parasito no sangue periférico (parasitemia), anticorpos específicos das classes (IgM e IgG) já podem ser detectados pelos exames sorológicos.
Fase crônica: ausência ou baixa presença do parasito em sangue periférico, anticorpos específicos da classe IgG detectáveis pela sorologia.
Sorológico: Reação de imunofluorescência indireta (RIFI), Enzime-linked-immunosorbent-assa (ELISA), Reação de hemaglutinação indireta (RHA) e fixação de complemento.
Parasitológicos: xenodiagnóstico, hemocultura, esfregaço sanguíneo em gota espessa e/ou Giemsa.
Molecular: detecção do KDNA do parasito pela Reação em cadeia da polimerase (PCR).
TRATAMENTO
BENZONIDAZOL E NIFURTIMOX
O tratamento quimioterápico é indicado tanto na fase aguda como na crônica, sendo baseado em duas drogas, o Nifurtimox em alguns países da América Latina e no Brasil Benzonidazol o único fármaco atualmente liberado pela ANVISA. No entanto, estudos clínicos e experimentais enfatizam sua maior eficácia na fase aguda, pois o mesmo atua diretamente no parasito. A administração da dose oral é determinada pelo peso e pela altura (IMC) variando entre crianças e adultos.
EPIDEMIOLOGIA
POPULAÇÕES DE RISCO
População que vive em zonas tropicais e áreas de floresta; contato com os vetores no ambiente peridomicíliar contendo focos de transmissão (vetores); ingesta alimentar contendo formas do parasito in natura; indivíduos que habitam moradias precárias (casas de pau a pique/taipa); faixas etárias diversificada pelo habito hematofágico dos vetores (crianças recém nascidas a idosos).
IMUNOLOGIA
ASPECTOS IMUNOPATÓLOGICOS DA FASE CRÔNICA ASSINTOMÁTICA OU INDETERMINADA
A infecção pelo T. cruzi em hospedeiros vertebrados promove a ativação e o desenvolvimento de reações imunopatológicas cruciais, ativando e recrutando uma diversidade de subpopulações do sistema imune incluídos macrófagos, linfócitos B, linfócitos T CD4+, CD8+, células NK, moléculas protéicas e enzimáticas, como a via alternativa do complemento (C’) e a secreção hepática de da proteína C reativa de fase aguda .
ILUSTRAÇÕES
Fase Aguda
Dá-se pela intensa multiplicação do parasito, tendo como consequência o surgimento dos primeiros sinais inflamatórios. Com relação ao quadro clínico da doença na fase aguda, o indivíduo pode manifestar sinais característicos variáveis febre, dor de cabeça, mal estar. Histologicamente a multiplicação do parasito no miocárdio gerar um miocardite aguda as vezes letal em alguns indivíduos. (A) infiltrado inflamatório no miocárdio ao redor de ninhos (círculo) de T.cruzi. (B) infiltrado inflamatório ao redor do rompimento da fibra muscular com formas amastigotas (seta). (C) miocardite difusa intesa.
Fase Crônica Assintomática ou Indeterminada
Em relação ao estudo histopatológico, os orgãos alvos apresentam discretas lesões com processo de desnervação contínuo.
Fase Crônica Sintomática
Apresenta-se de três formas: cardíaca, digestiva e mista. Nesta fase, predominam os infiltrados necrótico-inflamatórios que são responsáveis pela geração das formas prevalentes de esofagopatia (megaesôfago), colopatias (megacolon) e a cardiopatia crônica chagásica (CCC) predominante e com risco de morte após a terceira a quarta década pós-infecção. Observa-se progressiva e crescente deposição de fibrose (colágeno) responsável pela substituição das áreas funcionais nos tecidos musculares (A, B e C).